Mariana

Qualidade como reflexo

Programas socioambientais implementados pela Fundação Renova estão recuperando o rio Gualaxo do Norte e refletem na qualidade da água do rio Doce

Mariana

O rio Gualaxo do Norte, em Mariana (MG), foi o primeiro manancial atingido pelos rejeitos da barragem de Fundão, que se rompeu em 5 de novembro de 2015. A lama iria percorrer 670 quilômetros, cruzar municípios de Minas Gerais e Espírito Santo até chegar ao mar, 16 dias depois. Considerado como um dos maiores do país, o desastre ambiental deixou 19 mortos e três distritos destruídos em Minas Gerais — Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa.

Importante afluente do rio Doce, o rio Gualaxo do Norte teve 48 de seus 60 quilômetros de extensão afetados pela lama vinda da barragem de Fundão. O curso d’água faz parte de um trecho de 80 quilômetros que foi o primeiro e mais impactado pelos 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos liberados pelo rompimento. A lama entrou no córrego Santarém e, em seguida, ganhou o Gualaxo. Na sequência, chegou ao rio do Carmo e foi até a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (conhecida como Candonga). O reservatório da usina represou cerca de 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos, um quarto de tudo que vazou de Fundão. Outros 20 milhões de metros cúbicos percorreram o rio Doce e parte deles chegou até a foz, em Regência, no distrito de Linhares, no Espírito Santo.

homens colocando sementes na beira do rio

Reconformação foi realizada no rio Gualaxo do Norte para estabilizar as margens por meio da revegetação. / Fotos: Nitro Imagens

As ações de reparação no rio foram iniciadas logo após o desastre, ainda em 2015, com a limpeza dos leitos e a estabilização das margens dos rios Gualaxo e do Carmo, entre Mariana e Santa Cruz do Escalvado, em Minas Gerais. Foram removidos mais de 150 mil metros cúbicos de rejeito do centro de Barra Longa (única localidade que teve a área urbana atingida pela lama). De Candonga, foram retirados, até junho de 2019, 959 mil metros cúbicos de rejeito que estavam depositados em um trecho de 400 metros mais próximos da barragem da usina. A limpeza do reservatório é uma operação complexa que teve início em 2016. Para a contenção da lama de rejeito que ainda poderia chegar de Fundão, foram construídos três barramentos metálicos dentro do reservatório da usina, onde ficarão submersos após o enchimento desta estrutura.

Para combater a erosão e evitar que a lama acumulada na parte externa dos rios caísse em seus leitos, foram plantados 800 hectares de espécies nativas de rápido crescimento. Paralelamente, ações de controle de erosão e reconformação de margens foram realizadas em uma área de aproximadamente 1.522 hectares — o equivalente a 1.500 campos de futebol.

A reconformação é uma técnica usada para estabilizar as margens dos rios por meio da revegetação. Isso evita o processo erosivo, que pode causar aumento de turbidez da água ao movimentar os rejeitos, e ainda modificar o curso natural dela.  

A técnica contribui também para dar capacidade de regeneração natural à área. Com o aumento da vegetação nas margens e a melhoria da qualidade da água, criam-se condições para um ambiente com mais biodiversidade aquática e terrestre.

As ações emergenciais
Plantio de 15 espécies nativas para evitar processo erosivo
Atuação em 800   hectares

Após as primeiras etapas de plantio emergencial de vegetação e reconformação das margens dos rios, foi iniciado, em janeiro de 2018, o processo de recomposição da mata ciliar com espécies de árvores nativas. O objetivo é proporcionar o retorno da fauna e de micro-organismos nativos. Trata-se de espécies adaptadas às condições locais, são ideais para controlar a velocidade de escoamento de água das chuvas no solo, além de filtrar e absorver sedimentos, impedindo que esses caiam na calha dos rios.

Recompor a mata ciliar é fundamental para a saúde da bacia do rio Doce e, claro, para a qualidade da água. De acordo com a ONG WWF-Brasil, “mata ciliar é todo tipo de cobertura vegetal nativa que fica nas margens de rios, igarapés, lagos, olhos d´água e represas. A palavra “ciliar” faz alusão à importância que os cílios têm para nossos olhos. O mesmo se pode dizer em relação à proteção dos rios e lagos: evita o assoreamento e atua diretamente na conservação física dos rios. E, ao fornecer alimento e abrigo para as espécies da fauna, contribui ainda para a conservação da biodiversidade.

A expectativa é que esse trabalho de recomposição da mata ciliar siga até março de 2020 em Áreas de Preservação Permanente (APPs).

As ações emergenciais
Reconformação de 1.522 hectares de margens de rio
Recuperação de 113 afluentes em 114 km

O Gualaxo do Norte, que sofreu o primeiro impacto ambiental, já responde às ações executadas pela Fundação Renova. Os resultados do monitoramento da qualidade da água mostram que a turbidez está decaindo a cada ano, comparando-se com o fim de 2015, no imediato pós-rompimento, quando a turbidez estava em seu auge. No último período seco, que vai de maio a setembro, os índices diários de turbidez se mantiveram dentro dos limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em 90% do tempo.

Os índices diários de turbidez do rio Doce e de seus afluentes Gualaxo do Norte e Carmo se mantiveram dentro do limite da legislação em 90% do tempo

Recuperação ambiental

Atualmente, dois projetos para recuperar o Gualaxo estão em andamento. As ações fazem parte do Programa de Manejo de Rejeitos da Fundação Renova, que tem como premissa encontrar as melhores soluções para lidar com os resíduos de Fundão. As iniciativas variam de acordo com as condições de cada trecho (o plano dividiu a extensão do rio Doce em 17) e são sempre pensadas de forma a provocar o menor impacto possível nas comunidades e no meio ambiente. “Cada área tem uma solução específica para tratamento do rejeito. No caso da região do Gualaxo, foi decidido, juntamente com a Câmara Técnica de Gestão de Rejeitos e Segurança Ambiental, não remover os rejeitos e criar condições para a autorrecuperação ambiental”, afirma Pedro Ivo Diógenis, especialista socioambiental do Programa de Manejo.

A Câmara Técnica de Gestão de Rejeitos e Segurança Ambiental (CT-GRSA) acompanha iniciativas da Fundação Renova como manejo de rejeitos, construção de sistemas de contenção, preparação para emergências ambientais, recuperação e retomada das atividades da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga) e tratamento dos rios impactados.

Pedro Ivo Diógenis

Especialista do Programa de Manejo comenta soluções adotadas

Autorrecuperação ambiental não quer dizer deixar a natureza sozinha cuidar de tudo. É preciso aliar tempo, estudos, pesquisas e tecnologia. Um dos projetos implementados pela Fundação Renova no rio Gualaxo é o de renaturalização do leito do Gualaxo, iniciado em maio de 2019, ainda como piloto, entre os córregos Camargo e Santarém. A técnica é pioneira no Brasil e visa dar ao manancial as condições naturais para que ele se recupere, recompondo sua biodiversidade e tornando-se, novamente, habitat para espécies nativas.

A renaturalização consiste em posicionar elementos naturais, como troncos, raízes e galhos, de maneira estratégica no rio, para regular a velocidade da água e reproduzir características naturais do ambiente aquático, como nascedouros de peixes. Os locais onde a técnica está sendo aplicada foram mapeados com base em um levantamento detalhado de características do rio.

“Os troncos são fixados na margem e na calha do rio. Dessa forma, eles criam áreas de habitat para peixes e melhoram a qualidade do sedimento”, explica Pedro Ivo Diógenis.

homem planta arvores nativas no rio Gualaxo do norte

Na imagem, replantio de mata atlântica nas proximidades do Rio Gualaxo / Imagem: Bruno Correa / NITRO

Em apenas três meses (entre maio e julho), o projeto-piloto fixou, em um trecho de aproximadamente 1.800 metros ao longo do curso do rio Gualaxo do Norte, 79 árvores, 103 troncos submersos e 23 feixes de capim.

O conceito central da renaturalização é dar condições físicas para o restabelecimento da biota e criar refúgios para esses organismos. “Os próprios galhos funcionam como um abrigo ao reterem folhas e matéria orgânica. Os organismos menores, que são a base da cadeia alimentar, têm ambiente favorável. Alguns resultados físicos são imediatos, como a sedimentação dos troncos, ideal para a atração de peixes. O retorno da biodiversidade deve ter resultados mais significativos entre seis meses e um ano”, diz Fernando Aquinoga, diretor-técnico da Aplysia, empresa de serviços ambientais responsável pelo trabalho de renaturalização do Gualaxo.

Fernando Aquinoga

Diretor-técnico da Aplysia comenta retorno da biodiversidade

Com o andamento do projeto, alguns trechos do Gualaxo têm, aos poucos, se transformado. “É um processo extremamente importante. Renaturalizar significa voltar ao natural, em outras palavras. E é justamente isso que estamos fazendo com trechos do Gualaxo: trazendo-os de volta à vida, buscando aquela heterogeneidade aquática que havia na água antes do rompimento da barragem de Fundão”, diz a líder dos programas de Manejo de Rejeitos e de Monitoramento Hídrico da Fundação Renova, Juliana Bedoya.

“Estamos trazendo o Gualaxo de volta à vida, buscando aquela heterogeneidade aquática que havia nas águas antes do rompimento da barragem de Fundão”

Juliana Bedoya, Fundação Renova

Outro projeto direcionado para o Gualaxo e que melhora a qualidade da água que chega ao rio Doce é a Estação de Tratamento Natural (ETN). Essa ação utiliza soluções tecnológicas para se alcançar um melhor padrão de qualidade hídrica. Por meio do Programa de Economia e Inovação da Fundação Renova, o projeto está sendo desenvolvido pela LiaMarinha, uma startup de Mariana selecionada pelo Edital de Inovação para a Indústria, uma iniciativa da Fundação Renova em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A empresa recebe recursos da Fundação para conduzir o projeto.

A ETN utiliza barreiras filtrantes e ilhas de vegetação na calha do rio. Essas barreiras são capazes de filtrar a água e absorver metais. Com o sedimento retido, a água que segue chegará ao rio Doce com mais qualidade, com um índice de turbidez menor. A estação está sendo implantada, e os primeiros resultados relacionados à água e à biodiversidade são esperados para fevereiro de 2020. Para a avaliação da eficácia da metodologia, os dados serão comparados com os do período anterior ao de sua utilização.

Diversos parâmetros estão sendo monitorados antes e após a implementação dos dois projetos, como qualidade dos sedimentos, água, bentos (comunidades de organismos que vivem no fundo de ambientes aquáticos), peixes, espessura do rejeito, entre outros. A ideia é expandir as técnicas que apresentarem bons resultados para outros trechos do rio.

As ações em andamento

Projeto de revegetação florestal, com o plantio de espécies nativas no trecho do rio Gualaxo do Norte até Candonga

Restauração florestal das APPs nas propriedades rurais a fim de retomar as atividades agropecuárias

Renaturalização do Gualaxo com elementos naturais, com instalação de troncos, raízes galhos, para criar condições favoráveis à biota

ETNs utilizam barreiras filtrantes e ilhas de vegetação para reter o sedimento e absorver os metais, ação que melhora a qualidade da água

Engajamento de proprietários rurais

Os produtores rurais têm um papel fundamental no desafio de recuperação da bacia do rio Doce. Segundo a The Nature Conservancy (TNC), maior organização ambiental do mundo, o desmatamento, as práticas agrícolas precárias e outros usos da terra levaram a uma degradação de moderada a alta em 40% das bacias hidrográficas urbanas do planeta. Por isso, é fundamental que iniciativas para recuperação de áreas degradadas envolvam os proprietários rurais.

É o que faz a frente de Uso Sustentável da Terra (UST) da Fundação Renova: trabalha para promover o engajamento e a conscientização dos produtores rurais, estimulando-os a aplicar técnicas que garantam a retomada de suas atividades a partir de práticas de conservação ambiental. Dessa forma, eles têm sido protagonistas em processos sustentáveis de produção, com impactos positivos na melhoria da qualidade da água e no meio ambiente, indicando um futuro melhor para a bacia do rio Doce.

Propriedades rurais atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, localizadas entre Mariana e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga), estão se transformando em unidades produtivas com manejo sustentável. As ações são desenvolvidas em 235 propriedades. Dessas, 21 foram selecionadas como unidades-modelo.

Cerca de 230 propriedades rurais estão recebendo ações para promover a retomada de suas atividades agropecuárias e recuperação ambiental

A ampliação das experiências agroecológicas gera diversificação da produção, aprendizado na gestão da propriedade, manejo racional da produção agropecuária e conservação de recursos naturais, como solo e água.

Os produtores adotam tecnologias de baixa emissão ou captura de carbono com o apoio dos órgãos reguladores e de serviços ambientais em áreas produtivas ou de conservação. Está prevista a recuperação de 594 hectares de áreas produtivas rurais impactadas. Outros 2.559 hectares localizados em regiões que não sofreram impactos (extensão quatro vezes maior que a dos locais com depósito de rejeitos) serão requalificados, ampliando-se a cadeia de sustentabilidade econômica e ambiental da região.

Até o momento, a Fundação Renova implantou 248 barraginhas (açudes para a captação de água pluvial) e 10 hectares de piquetes para o manejo sustentável do gado em propriedades rurais. Além disso, por meio da frente de Operações Florestais, a Renova implementou equipamentos como galinheiros e currais, reparou sistemas de irrigação danificados, realizou cercamentos, correção do solo, adubação e plantio.

“A gente vai reconstruindo. As dificuldades aparecem, mas, aos poucos, a gente vai resolvendo”

Waldir Pollack, proprietário rural

A melhoria da qualidade da água ampara a produção agrícola dessas propriedades, como a do agricultor Waldir Pollack, que possui um terreno próximo à comunidade de Paracatu de Baixo — distrito de Mariana (MG) — e viu a lama invadir sua propriedade. Em entrevista à Agência Brasil, Pollack conta que produz cerca de 40 variedades de alimentos. Boa parte dos produtos, que não levam agrotóxicos, é comercializada em feiras semanais da área urbana de Mariana. “Não chegamos ainda ao potencial que precisamos, mas estamos crescendo a cada dia. A gente vai reconstruindo. As dificuldades aparecem, mas aos poucos a gente vai resolvendo”, diz.

Fazenda Nova Esperança - Propriedade Modelo
Waldir Pollack

Waldir Pollack possui uma das fazendas agroflorestais modelo | Foto: Pedro Gontijo

Produção sustentável e sem agrotóxicos

A produção da Fazenda Nova Esperança é administrada de maneira sustentável e sem agrotóxicos. | Foto: Pedro Gontijo

Produção de ovos orgânicos

O galinheiro do Sr. Waldir Pollack produz ovos orgânicos. | Foto: Pedro Gontijo

A renda da produção é dividida entre todos os agricultores

Toda a renda da produção da Fazenda Nova Esperança é dividida entre todos os agricultores. | Foto: Pedro Gontijo

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