Linhares

Conhecer para agir

A análise de dados permite afirmar que a água pode ser consumida após tratamento e abre caminho para examinar a biodiversidade e os reflexos na foz do rio Doce, em Linhares (ES)

Linhares

Dezesseis dias após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), metade dos rejeitos chegou à foz do rio Doce, em Regência, no município de Linhares (ES), e atingiu o mar. Um novo capítulo começou na história do distrito, onde vivem cerca de mil pessoas, que, na época, dependiam principalmente da pesca e das atividades ligadas ao turismo.

Não é por acaso que a região da foz, banhada pelo rio e pelo mar, é uma das mais acompanhadas pela Fundação Renova. O principal instrumento para isso é o programa de monitoramento da água, implantado há dois anos e que avalia as condições das águas na bacia do rio Doce.

A bacia do rio Doce tem o monitoramento mais completo do Brasil. | Foto: Gustavo Baxter / Nitro

Na imagem, equipe de monitoramento de água no Rio Gualaxo. | Foto: Nitro Imagem

O volume de relatórios gerados pelo programa (são cerca de 1,5 milhão de dados por ano) e a estrutura utilizada permitem afirmar que a água do rio Doce pode ser consumida após passar por tratamento convencional nos sistemas de abastecimento dos municípios – como, aliás, ocorre com qualquer água bruta. Essa conclusão é baseada na análise das informações levantadas, que são enviadas diariamente a órgãos ambientais.

Hoje, a bacia do rio Doce é a mais monitorada do país. São 80 parâmetros físicos, químicos e biológicos estudados em 92 pontos, de Mariana à foz, sendo 22 deles verificados por estações automáticas, que geram informações em tempo real. Outros 40 parâmetros avaliam os sedimentos. O conjunto de dados subsidia o planejamento preventivo dos sistemas de abastecimento da bacia e mostra como está a recuperação do rio Doce. Duas equipes, em Mariana e Linhares, cuidam dos bancos de dados gerados pelo monitoramento.

O monitoramento da água
  2 bancos de dados em Mariana e Linhares
  3 milhões de dados gerados em 2 anos
  80 parâmetros físicos, químicos e biológicos são avaliados
Monitoramento em 92 pontos nos cursos d’água impactados
  56 pontos na bacia desde os diques das barragens em Mariana até a foz do rio
  36 pontos no litoral desde o litoral sul do Espírito Santo até o sul da Bahia
  22 pontos com estações automáticas

Brígida Maioli

Especialista explica programa de monitoramento do rio Doce

As informações são compartilhadas com os órgãos ambientais. Desde março de 2019, os dados também passaram a ser disponibilizados no site da Fundação Renova. Cinco órgãos participam desse trabalho, por meio de um Grupo Técnico de Acompanhamento (GTA): Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agerh).

O programa de monitoramento da água gera 1,5 milhão de dados por ano

Regina Pimenta Assunção, coordenadora da Câmara Técnica de Segurança Hídrica e Qualidade de Água, órgão consultivo ligado ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), afirma que o programa de monitoramento foi estudado e planejado de acordo com as experiências dos órgãos gestores de meio ambiente e recursos hídricos.

“O objetivo é acompanhar a evolução dos parâmetros de qualidade da água ao longo do tempo. Temos 22 estações automáticas, que transmitem dados diários e são sinalizadores em caso de contingência. Hoje, é o monitoramento mais evoluído e completo do país”, diz Regina. “A água está apta ao consumo humano após tratamento convencional nas Estações de Tratamento de Água (ETAs) em todo o trecho do rio Doce”, completa.

Ela explica que, depois do pico nos índices relacionados à qualidade da água registrado em novembro de 2015, logo após o rompimento, os “valores caíram vertiginosamente” no início de 2016, conforme os limites estabelecidos pela Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Desde meados de 2017, a maior parte dos trechos do rio Doce está com os parâmetros de acordo com os valores legais, com picos esporádicos de turbidez e de elementos como ferro dissolvido, manganês total, alumínio dissolvido e chumbo total. Segundo o Igam, o trecho que requer mais atenção e ações de reparação (já em andamento) está na área localizada antes da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (conhecida como Candonga), que compreende os rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce. Já a melhor qualidade da água do rio Doce hoje encontra-se no trecho após o município de Governador Valadares (MG) até a divisa com o Estado do Espírito Santo. “Podemos observar que há uma tendência de melhoria significativa na qualidade da água do rio Doce”, diz a coordenadora.

“A água está apta ao consumo humano após tratamento convencional nas ETAs em todo o trecho do rio Doce.”

Regina Assunção, coordenadora da Câmara Técnica

O sistema de abastecimento

Linhares, última cidade no caminho do rio Doce rumo ao mar e importante destino turístico do Espírito Santo, reflete os resultados da frente de atuação da Fundação Renova destinada à segurança hídrica.

Regência e Povoação, dois distritos de Linhares localizados na foz, estão retomando as atividades de turismo. Além da programação de verão na região e de eventos culturais de caráter histórico, que recebem apoio da Fundação Renova, como a Festa do Caboclo Bernardo, a foz reafirma seu protagonismo no surfe do Espírito Santo.

Desde 2018, as praias de Povoação, Pontal do Ipiranga e Regência voltaram a ser palco do circuito Tríplice Coroa Quebra Onda de Surf, evento que é um importante marco para a retomada da prática esportiva e para o fortalecimento do turismo e da economia local. A competição atrai fãs do esporte e conta com a participação de surfistas profissionais.

Quanto ao abastecimento, no fim de 2016, foi entregue uma estrutura alternativa de captação de água em Linhares, instalada na Lagoa Nova, com capacidade para atender a cerca de 50% do consumo da cidade. Essa adutora contribui para reduzir a dependência de abastecimento do rio Pequeno, que se conecta com o Doce.

A Estação de Tratamento de Água (ETA) de Regência, distrito de Linhares, também foi reformada e modernizada. As intervenções foram finalizadas em 2017, e, após mais de cem testes de qualidade da água realizados em 2018 e avaliados pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Linhares – autarquia municipal responsável pela captação, pelo tratamento e pela distribuição de água – e pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), foi aprovada pelos órgãos a mistura das águas provenientes do Saae e da ETA. A estrutura reduz o risco de desabastecimento em épocas em que há aumento dos usuários decorrente do turismo.

A qualidade da água e os eventos culturais e esportivos são o caminho para alavancar a economia local, na opinião de Fabrício Fiorot, proprietário de uma pousada em Regência. Apesar de saber do tamanho do desafio, ele acredita que os eventos são atrativos importantes para que, aos poucos, os turistas e os surfistas voltem ao distrito. Fabrício já se preparou para atender à demanda, aumentando em cerca de 30% a capacidade de ocupação da pousada. “Investi para aumentar o número de quartos e melhorar o atendimento. Com as informações sobre as ações para melhorar a água, a tendência é aumentar a confiabilidade das pessoas, e, consequentemente, o movimento também. Acredito em Regência e, por isso, continuo investindo aqui”, afirma Fiorot.

“Acredito em Regência e, por isso, continuo investindo aqui.”

Fabrício Fiorot, proprietário de pousada em Regência

Foco na biodiversidade

Para monitorar a biodiversidade e elaborar diagnósticos dos impactos causados pelo rompimento da barragem de Fundão que permitam estabelecer diretrizes de preservação dos ecossistemas da bacia ao longo do rio Doce, na foz e na zona costeira, cerca de 580 pessoas, de 25 universidades do país, estão mobilizadas desde setembro de 2018. A Fundação Renova fechou um Acordo de Cooperação Técnico-Científica e Financeira com a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest) e com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para o custeio desse projeto de pesquisa.

A Rede Rio Doce Mar monitora aspectos físicos e químicos dos ambientes e a biodiversidade em cerca de 200 pontos ao longo de toda a porção capixaba do rio Doce e nas regiões estuarina, costeira e marinha, que compreendem o entorno da foz e a área que vai de Guarapari (ES) até Porto Seguro (BA).

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Equipe de monitoramento da biodiversidade

Na foto, a equipe de monitoramento da biodiversidade. | Foto: NITRO

Com esse estudo detalhado, será possível estabelecer conclusões para as comunidades e balizar as ações de reparação, como o consumo de pescado para alimentação e a liberação da pesca de espécies nativas sem ameaças à fauna local, por exemplo. A análise conjunta dos dados coletados também servirá de subsídio para a restauração florestal, já que dará insumos para definir áreas para a recomposição de matas.

No estudo, são utilizados drones, aeronaves e embarcações de pequeno, médio e grande portes. Além disso, há sensores de diversos tipos, imagens de satélites e boias automatizadas, equipadas com instrumentos específicos para esse tipo de monitoramento.

O monitoramento da biodiversidade

Monitoramento ao longo de toda a porção capixaba do rio Doce e nas regiões estuarina, costeira e marinha, que compreendem o entorno da foz do rio Doce e a área que vai de Guarapari (ES) até Porto Seguro (BA)

Acordo de cooperação no valor de R$ 120 milhões assinado com a Rede Rio Doce mar

Controle em cerca de 200 pontos

Mobilização de mais de 580 pessoas de 25 universidades

Previsão de 43 mil coletas de dados sobre água, sedimentos, animais e vegetais

Monitoramento de micro-organismos a baleias, além de qualidade da água, presença de sedimentos, condições de marés e ondas, manguezais e restingas

O professor da Ufes e coordenador do monitoramento na área do rio e dos lagos da Rede Rio Doce Mar, Gilberto Fonseca Barroso, diz que esse é um trabalho sem precedentes no país e com poucos casos no mundo. “É um estudo amplo e complexo, com coletas e análises de moléculas a baleias. É uma referência, porque, além de ser abrangente, integra o conhecimento do ambiente fluvial e do marinho, fundamental para a recuperação do rio Doce. A iniciativa pode servir de modelo para outras bacias do país que vivem em um processo de degradação e risco constantes”, explica.

“O estudo de biodiversidade pode servir de modelo para outras bacias do país que vivem em um processo de degradação e risco constantes.”

Gilberto Barroso, coordenador da Rede Rio Doce Mar

Importante parâmetro para avaliar a biodiversidade na região, a desova das tartarugas-marinhas, que acontece na região da foz e na costa do Espírito Santo, é cuidadosamente acompanhada pela Fundação Renova. A região é um dos principais redutos de desova de tartarugas do país.

A fim de avaliarem os impactos dos rejeitos que vieram do rio Doce e atingiram o mar, a Renova e a Fundação Pró-Tamar firmaram acordo para o monitoramento do comportamento das tartarugas em uma área de 159 quilômetros de praia no Espírito Santo, de Aracruz a Conceição da Barra. Hábitos como reprodução, alimentação e desova são rigorosamente acompanhados para se identificar qualquer alteração na dinâmica do animal, que se tornou símbolo de preservação na região.

Entre os locais monitorados estão áreas como Reserva Biológica de Comboios, Terra Indígena de Comboios, Povoação, Monsarás, Cacimbas, Ipiranga, Ipiranguinha, Pontal do Ipiranga, Barra Seca/Urussuquara, Campo Grande, Barra Nova e Guriri. As atividades mobilizam mão de obra local – pescadores e moradores tradicionais da costa – para detecção e monitoramento das fêmeas, de ninhos e filhotes, levando-se em conta o conhecimento da população.

Fundação Pró-Tamar
Ovos de tartaruga

A Renova e a Fundação Pro-Tamar assinaram um acordo para monitorar o comportamento das tartarugas para avaliar os impactos dos rejeitos que desciam o rio Doce e chegavam ao mar. | Imagem: NITRO

Tartarugas marinhas

Tartarugas marinhas em um tanque no ICMBIO, em parceria com a Fundação Pro-Tamar | Imagem: NITRO

Monitoramento da desova

Hábitos como reprodução, alimentação e desova são rigorosamente monitorados pela Fundação Pro-Tamar. | Imagem: NITRO

Monitoramento da desova

Um parâmetro importante para avaliar a biodiversidade na região, a desova de tartarugas marinhas, que ocorre na região da foz do rio e no litoral do Espírito Santo, é cuidadosamente monitorado pela Fundação Renova. | Imagem: NITRO

Monitoramento da desova

Um parâmetro importante para avaliar a biodiversidade na região, a desova de tartarugas marinhas, que ocorre na região da foz do rio e no litoral do Espírito Santo, é cuidadosamente monitorado pela Fundação Renova. | Imagem: NITRO

Os primeiros resultados levantados pela Fundação Pró-Tamar, no fim de 2018, apontaram que o número de fêmeas com comportamento reprodutivo, de ninhos e filhotes, permaneceu o mesmo quando comparado ao do período anterior ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). O levantamento é realizado durante todo o ano e reforçado na fase de desova das tartarugas, de setembro a março.

São 670 quilômetros na bacia do rio Doce observados e estudados pela Fundação Renova, o que possibilita planejamento de ações e abre espaço para engajamento, esforço comunitário e participação de todos os envolvidos. O conjunto mostra que o rio responde positivamente a essas iniciativas.

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